05 January, 2006

G1

I Co 11:17 - 34
Nisto, porém, que vou dizer-vos não vos louvo; porquanto vos ajuntais, não para melhor, mas para pior. Porque, antes de tudo, ouço que quando vos ajuntais na igreja há entre vós dissensões; e em parte o creio.
E até importa que haja entre vós facções, para que os aprovados se tornem manifestos entre vós. De sorte que, quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a ceia do Senhor; porque quando comeis, cada um toma antes de outrem a sua própria ceia; e assim um fica com fome e outro se embriaga.


É inegável que as igrejas estão contaminadas pela dissensão. Mas sua expressão é tão bem disfarçada que poucos percebem, e qualquer resistência recebe o castigo dado aos rebeldes. Ela é utilizada das mais variadas formas, buscando-se a diferenciação entre os membros, de maneira que os poucos escolhidos sejam exaltados para uma liderança controladora, sendo por isso um instrumento bastante útil no comando de grandes massas, ferramenta muito eficiente e também usada por tiranos e ditadores na história.

Utilizando-se da ingenuidade das pessoas, implanta-se uma ideologia de servidão (não deve ser confundida com o ato de servir ao próximo, o que vemos aqui chega perto da humilhação) favorecida por uma estrutura hierárquica rigorosa, acorrentando os próximos em torno da teologia de poucos que se dizem líderes, os quais muitas vezes não se importam em respeitar princípios bíblicos de, entre outros, salvação e liberdade.
Eis o fundamentalismo cristão demonstrado na defesa da obediência ao “líder” e da necessidade de interventores de um “estado” religioso.

No entanto, compreendendo que a vida com Deus é movida na intimidade com o próprio Deus, sendo um processo de crescimento pessoal e de ensinamento, entre outros, sobre a independência do homem perante o mundo (isso inclui todo e qualquer tipo de instituição – incluo a religião), da superação do pensamento sentimentalizado e superficial, da busca pessoal pelo acerto de contas íntimo com o Espírito Santo, que tudo sonda, do crescer lá nas orações à portas fechadas do próprio quarto, como diz em Mateus 6:6. Acredito que:

  • A doutrinação deveria estar voltada ao entendimento de que o homem vive só, diante do mundo à sua volta, posto que tudo é efêmero, a não ser o próprio Deus. Mt 24:35.
  • O mundo, por sua natureza humana, está passivo de erro. Por isso não merece confiança cega. Jr 17:5
  • O verdadeiro sentido da palavra religião significa uma ligação entre o homem e Deus – sendo portanto seu desligamento às instituições que o aprisionam ao mundo. Rm 8:21
  • A vida é uma compreensão íntima de liberdade e salvação, que são aplicações estritamente pessoais. At 7:25/II Co 3:17
Enfim, quando entendemos que o sacrifício de Cristo na cruz teve o objetivo de nos dar poder de decisão perante às amarras do mundo - que é o pecado em si - percebemos o valor da Liberdade que nos foi presentiada. E assim compreenderemos que o plano da salvação é mais extenso do que imaginamos, mais ainda, que a salvação é um tema complexo, que se inicia na Liberdade do homem.

Tanto é verdade o que agora digo que apesar da morte na cruz, muitos não serão salvos simplesmente pela negativa da proposta de Cristo como único caminho de encontro com O Pai, sem dizer ainda daqueles que mesmo aceitando este sacrifício não serão salvos por culpa de aprisionamentos incorretos durante a vida – vejo que o preço pago por Cristo na cruz foi alto demais para que eu me acorrente novamente.

Assim, digo que aceitar a liderança aprisionante de alguns “líderes” inconseqüentes é cuspir na cruz e voltar para as correntes, escolha mais fácil e cômoda, por ser deveras "complicado" para uns e extremamente frustrante para outros saber que a vida é conseqüência das escolhas pessoais. Devendo então, nos cuidados do entendimento e da sabedoria, haver equilíbrio suficiente para que não se atire à auto-destruição, o que nos exige cuidado, aprimoramento constante e muita responsabilidade – nisso talvez tenhamos a honra de conhecer uns poucos Líderes de verdade, levantados por Deus em nossas vidas, os quais nos ensinarão a sermos verdadeiramente Livres.
______________________________

Neste contexto observo que a noiva de Cristo sofre de má alimentação (I Co 11: 29 - 30), pois enquanto alguns comem para seu próprio regozijo, outros nada têm para suporte de suas necessidades.
O primeiro, por deter alguma condição ou conhecimento mínimo que o diferencie dos próximos, o usa para seu próprio deleite e, à medida que os outros observam o seu caminho rumo à “santidade”, subjuga todos os “seus” próximos à esta falsa imagem de Cristo, restando aos “menores” que apenas o sigam cegamente. Enquanto isso, os “menores do corpo” nada recebem de instrução para que compreendam que por si próprios devem encontrar a Cristo, com parâmetros meramente fundamentados no respeito aos Princípios Bíblicos.
Ou seja:

  • Os primeiros se alimentam em nome de uma posição que julgam ser o instrumento de Deus ao “Ministério da vida dos outros”, e estes nada comem enquanto vivem para sustentar os primeiros e seus “Ministérios de liderança”.
  • Estes permanecem cegos, pois aqueles acreditam que a liberdade de pensamento é perigosa por vez que a lucidez da auto-determinação poderá levar a “perdição” da alma nas possibilidades de desvio do padrão religioso.
Concluo que, no padrão de Deus, Líder liberta e ensina como andar sozinho. Segundo o mundo, líder aprisiona os liderados em torno de si e os comanda.

À Ceia (igreja), uns são verdadeiros glutões que não sabem comer apropriadamente, outros raquíticos que não sabem comer por si próprios, ambos indignamente sentados à mesa, gerando por isso os muitos que entre NÓS são fracos e doentes, e não poucos os que dormem. Assim, saiba o homem examinar a si próprio (logicamente que segundo o fundamento da Fé que nos foi dada através da Palavra de Deus), e então participemos da ceia do Senhor, ou seja, que os homens, conscientes de nossas individualizações e particularidades, sejamos unidos unicamente pelo AMOR de Cristo e comemoremos as bênçãos dadas por Ele mediante aquele sacrifício na cruz, nos fazendo Livres das correntes do pecado – e que maior pecado não é a escolha por viver acorrentado, negando a Liberdade dada por Cristo?

Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice. Porque quem come e bebe, come e bebe para sua própria condenação, se não discernir o corpo do Senhor. Por causa disto há entre vós muitos fracos e enfermos, e muitos que dormem. Mas, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados;quando, porém, somos julgados pelo Senhor, somos corrigidos, para não sermos condenados com o mundo.

10 comments:

Marlene Maravilha said...

É isso aí, meu irmão!
Gostei muito do que escreveste e da realidade nua e crua que vemos através do artigo. Que Deus te dê sabedoria para que outros possam aprender com simplicidade.
Se crermos veremos a glória de Deus.
Um abraço.

Vítor Mácula said...

Ah, caro Pescador, tanta coisa num só post! Óptimo!

Mas para não deixar um comentário do tamanho do post (não propriamente porque me sinta tolhido, mas a disponibilidade…), realço a independência relativamente à religião. Certíssimo que Jesus veio pôr em interrogação toda a nossa natureza e cultura, inclusive a nossa própria religiosidade (as Suas diatribes não são evidentemente dirigidas exclusivamente “àqueles” fariseus e guardiães do templo…) O véu do templo rasgou-se e toda(s) a(s) Igreja(s) têm a natural tendência para repor o véu.

Isto não significa evidentemente que devamos ou não “abandonar” a(s) Igreja(s) – isso é com cada qual e Deus na situação particular que for. Mas significa sem dúvida que a(s) Igreja(s) se relaciona(m) connosco através de Cristo, e nunca nós com Ele através da(s) Igreja(s).
Só a tese Paulina do corpo místico dá sentido à(s) Igreja(s). O resto é cultura e política, ás quais, apresentem-se eclesiais ou de outro modo, devemos evidente e cristologicamente desacorrentar-nos e atentarmos a elas a partir dessa liberdade em Cristo.
E nesse sentido, já agora, estas bloguices… também são Igreja.

Caramba, foi nesse sentido que Ele não se aliou nem aos zelotes nem aos fariseus!

Um grande abraço em Cristo.

Caio Kaiel said...

Marlene
É isso que sonho em ver... pessoas resolvidas formando a família de Deus... e para isso, simplicidade e sabedoria são fundamentais.
Vitor
Bom ler o que comentaste... somos sim uma igreja... Glória a Deus.
Somos igreja exatamente porque não é a institucionalização que nos une, mas Cristo nos une...e que bom seria que todos pensassem assim! Amantes movidos pelo autor do Amor... as reuniões seriam comemorações - e a Ceia do Senhor ganha outro significado.
Outra questão que me foi muito comentada por amigos é que a vida com Deus é responsabilidade nossa (com a força do Espírito Santo), mas se não nos comprometermos, se nos empenharmos - não sairemos do lugar e viveremos uma vida medíocre, ou nem isso.
E tudo que falamos começa na liderança...

Edson Camargo said...

Você foi ao ponto, amigo.
A mim, parece que conciliar o respeito à individualidade de cada irmão com a unidade da Igreja, sem fazer dela um ambiente de disputas políticas internas é um dos maiores desafios do Corpo de Cristo atualmente.

Enquanto esse cristianismo de resultados continuar a seduzir líderes eclesiásticos, Deus precisará levantar ainda muitos 'Fishermans' para denunciar esse estado de coisas que tanto fere o coração do Senhor.

Te amo, e não se cale.
Abraço do Eliot.

Edson Camargo said...

Ops, faltou um "E" antes do "Enquanto esse cristianismo..."

Fui...

Anonymous said...

Olá Caio.
Sempre estou aqui no seu blog dando aquela "espiadinha".
Vc tem sido benção em minha vida, os textos são maravilhosos, vindo diretamente do coração do Deus.
Que o Pai continue te usando grandiosamente.
Fica na paz.

Anonymous said...

Passei pra ler o que estavam comentando e sabe que concordo...

Deus abençoe vc!

E amém, pq não é uma placa que nos une!!!

Até mais!!!

Ju!

... said...

Oi Kaiel,
Vim aqui, mesmo com pressa, pra matar um pouco a saudade.
Depois eu volto com mais calma e comento o texto tá?
Vê se aparece, ou na minha casa (www.pequicomk.blogspot.com) ou no meu "banquinho de praça" (www.guinomai.blogspot.com)

Teorema Editora said...

Grande Pescador. Estou atrasado, mas sempre é tempo de reler as suas palavras. Estou feliz por acrescentar algo ao seu universo cristão. Você é grande... tão grande que transborda carinho, humildade e talento. A prova do que estou falando é a quantidade de peixes que trouxeste a terra onde andas, quando lançaste as redes deste blog.
Que Deus derrame sabedoria, graça e paz em tua vida.
E saibas que, mesmo em silêncio, estarei sempre aqui, meu amigo e irmão.
Você sabe como me encontrar!
Graça e paz.

Anonymous said...

Belo, belo, belo texto.
Estamos rodeados de tentativas humanas de apropriação da semântica do mundo como sendo algo nosso. E não é.
Uma delas, como você bem falou, é a liderança. Os pactos, barganhas e convenções mostram que estamos longe da semântica cristã do que é ser líder. Longe de entender que nossos pactos e fidelidade não se estabelecem em função do líder, ou do projeto, ou do evento. Nosso pacto de unidade se faz pelo próprio Deus. Nossa fidelidade é em relação ao pacto de unidade em si. Somos fiel a esse pacto e não às pessoas. E isso porque somos dependentes organicamente um dos outros.
Ou seja, nossos pactos se fazem por VIDA e para VIDA.
Que eu entenda e viva assim.